caso um: um casal que me procurou com tanta urgência, que tive que recebe-los na minha casa num fim de semana: o filho deles, de 19 anos estava apaixonado pela empregada e vivia no assédio. Eles gostavam muito da empregada e não queriam que ela se zangasse e se fosse. Então queriam a minha opinião sobre castrar quimicamente o rapaz. Argumentei que a sexualidade nessa idade é normal, então eles me disseram que nele não, porque ele é autista!
caso dois: atendi um rapaz autista de 22 anos que se masturbava em qualquer lugar. A família recebia visitas, e lá aparecia ele se masturbando na sala. Após a entrevista com a família e uma sessão com o rapaz, percebi onde estava o problema: como ele era autista, a família sempre manteve uma vigilância sobre ele. Seu quarto não tinha porta, o banheiro não tinha tranca, tudo na casa era aberto porque os pais tinham medo de que ele se trancasse e se machucasse, ou não conseguisse abrir. Conclusão: o rapaz não tinha noção do que era público e do que era privado. A culpa não era da sexualidade, que é natural, mas da educação que teve. Bastaram tres sessões para que ele entendesse a diferença, e seus pais também, e passasse a se masturbar no seu quarto fechado (é certo que tentava se masturbar na minha sala, mas para ele minha sala era privada, não pública. Depois também isso foi equacionado). É esta segunda experiência que quero contar, e a estratégia que usei (e uso).
O primeiro ensinamento que fica é que devemos dar autonomia a nossos filhos, independentemente do transtorno que carreguem, para que façam a distinção entre o privado e o público. Todos nós, se formos saudáveis, nos masturbamos ou fazemos sexo, e isso não pode ser motivo de vergonha. Apenas buscamos os locais certos para isso. Peço desculpas à terapeuta que recomendou cuecas apertadas, mas isso é tortura física. Todo menino e todo homem deve dormir sem cueca, com pijamas largos, porque um homem tem diversas ereções enquanto dorme, e a pressão da ereção sobre uma roupa apertada, além de dolorida, causa doenças sérias. Sem contar que a dor corta o sono e aumenta a hiperatividade.
O segundo ponto é o interessante, porque acredito que voces ainda não tem conhecimento por se tratar de uma ferramenta que criei especialmente para isso: uma simples cartolina, ou papel cartão, branca. Na borda, colamos uma fita de cartolina vermelha, de uns 10cm de largura, fazendo um quadrado em volta da cartolina branca. Colamos apenas alguns centímetros no lado externo, de modo que fique um espaço para enfiar algumas fitinhas de cartolina. Na parte interna, fazemos outro desses quadrados, agora com cartolina verde, colada da mesma maneira. Fica então uma cartolina branca com dois quadrados (podem ser círculos), onde vamos fixar fotos, figuras, desenhos...
Trabalhei com esse material com meu filho, inicialmente para explicar a ele quem era íntimo e quem era apenas amigo: no quadrado interno (azul) colocava fotos dele e das pessoas que podiam dormir com ele, limpar a bunda, dar banho. No quadrado externo, colocava fotos de amigos que eram amigos, mas não podiam fazer essas coisas íntimas. Com o tempo, fui usando esse material também para alfabetização (colocava as letras do alfabeto no quadrado externo, uma figura no interno e pedia para construir o nome da figura, usando as letras. Isso feito, ficava claro para ele que aquelas letras eram íntimas da figura, e as que ficavam de foram não eram)...
Usei essa cartolina com o rapaz: fotos de pessoas íntimas, que podiam vê-lo exercendo o direito da sexualidade ficavam no quadrado interno; ambientes onde ele podia se masturbar ficavam no quadrado interno; pessoas e ambientes que não podiam ver ficavam no quadrado externo. Não foi difícil com ele, foi mais dificil explicar aos pais que ele tinha direito pleno à sua sexualidade, intimidade, quarto com porta e tranca.
penso assim: todo indivíduo em direito à sua sexualidade. Dar remédios para reduzir a libido ou para castrar quimicamente não é legal. Nossos filhos não autistas se masturbam e nós lavamos os lençóis, às vezes até temos orgulho da sexualidade deles, porque demonstra que são saudáveis, normais. Por que a neurose com filhos autistas? Não é mais simples oferecer-lhes um local para que possam exercer esse direito? Não podemos deixar que o preconceito que gira em torno da sexualidade dirija nossas ações, sexualidade é tão natural e humano quanto fazer xixi ou cocô, comer, beber ou dormir...
Perdoem a extensão, mas não daria para resumir. Sim, tenho um filho autista de quase dez anos, que tem ereções, que fala sobre isso, que tem curiosidades. Tratamos isso naturalmente, como tratamos uma prisão de ventre, uma disenteria ou uma dor de dente. Não há mistérios sobre isso, a sexualidade existe desde o primeiro homem e a primeira mulher. Coragem, meninas, enfrentem o problemas de frente, nem sempre vão poder contar com os maridos para essas coisas, homens não têm jeito pra isso. Homens empurram problemas com a barriga, mulheres resolvem.
Mariluce Caetano, espero ter colaborado com a sua pesquisa. Se precisar de detalhes, peça, estou sempre disponível, na idade a que cheguei já não perco muito tempo com minha própria sexualidade.
Pois bem: todas as atividades que fazemos "roubam" energia dos instintos, porque não têm energia própria. Instintos são verdadeiras usinas energéticas. Quando educamos uma criança, seja em casa ou na escola, estamos violentando a natureza dela. Não é da natureza humana, por exemplo, aprender a ler ou escrever, nossos antepassados não faziam isso e não é instintivo. Se deixar um menino e uma menina pequenos numa ilha deserta (como em Lagoa Azul), eles vão crescer, transar, ter filhos, mas não vão ler ou escrever. Quando digo isso em palestras as professoras arregalam os olhos, porque elas têm a fantasia de que as crianças as veem como fadas bondosas, mas na verdade elas estão violentando uma natureza. Para promover o aprendizado, o organismo tira energia de um instinto, geralmente do mais forte deles, o sexual. repare que, à medida que a criança avança na escola, a sexualidade decresce e as crianças entram na fase que chamamos de latência. E depois que aprendem o básico a sexualidade volta, na adolescência. A essa energia vital Freud deu o nome de libido, que é palavra feminina mesmo que termine com 'o'.
A libido pode ser gasta não apenas com atos sexuais, mas com ações diversas, como esporte, arte, dança, leitura, escrita, aprendizado. O tempo gasto ao computador usa energia da libido e reduz a necessidade de atos sexuais, sejam a dois ou a um. Assim com o trabalho, o lazer, o tempo que passamos em família. Quanto menos atividades físicas e mentais e quanto maior a indiferença de uma criança para o aprendizado, maior a libido represada. A soma da energia é sempre constante, tem que ser gasta de uma maneira ou de outra, sob o risco de ficarmos doentes, especialmente psiquicamente.
Acostumamo-nos a colocar crianças autistas em terapias passivas, e não em atividades físicas. A energia sexual deles é provavelmente mais acentuada, porque a energia de outros instintos é mais fraca. Lembre que a libido é a soma das energias de todos os instintos, então se falta um instinto, a energia é maior em outro. Pense numa religiosa ou num soldado numa guerra, que têm que potencializar os instintos ligados à luta ou fuga, à sobrevivência, ao bando, à proteção: neles, o instinto sexual dá um tempo, porque a energia é potencializada para o necessário à sobrevivência imediata, de si mesmo e dos seus.
Concluindo para o momento: se a prontidão para o aprendizado é menor, se não favorecemos atividades físicas, e se tentamos reduzir o gasto da energia sexual, em algum lugar ela vai explodir. Não é possível armazenar energia, ela está sempre fluindo. A tentativa de represar energia provoca a histeria, que era comum em mulheres antes da liberação sexual e que tem esse nome justamente porque, em grego, 'hister' significa útero. Talvez agora você compreenda melhor as explosões histéricas do seu filho.
Por isso, psicólogo, sempre recomendo aos pais: quando seu filho chegar à idade do diagnóstico final, por volta dos 8 anos, quando o sistema nervoso central está maduro e o organismo começa a preparar as mudanças para a puberdade, livre seu filho de terapias psicológicas e consulte um professor de educação física, um mestre de artes marciais. Ele precisa gastar a libido, que no consultório psicológico só faz aumentar.
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