Ao longo da última década, a Análise Comportamental Aplicada (ABA), principalmente, com crianças autistas, tem sofrido um retorno à popularidade. A intervenção comportamental pode ser positivamente aplicada com um elevado grau de flexibilidade. Mais importante ainda, esta forma de intervenção tem-se revelado muito eficaz.
A intervenção comportamental intensiva tem vindo a mostrar cada vez mais sucesso no trabalho com crianças, no aumento da funcionalidade de áreas como a linguagem, o brincar, a socialização, a auto-ajuda, entre outras. Não obstante, os resultados possíveis com o tratamento variam, consideravelmente, e dependem de factores como a idade em que se inicia a intervenção e a capacidade cognitiva da criança. Todo o tratamento é desenvolvido de modo a aproveitar ao máximo todas as capacidades da criança.
Apesar da popularidade de ABA ser recente, a análise comportamental aplicada não é uma ciência recente, nem os seus procedimentos inovadores. Na verdade, ABA baseia-se em mais de 50 anos de investigação científica realizada com indivíduos que apresentam uma variedade de perturbações comportamentais e desenvolvimentais. A investigação demonstra a eficácia destas intervenções na redução de comportamentos disruptivos, tipicamente observados em indivíduos com autismo, tal como a auto-agressão, birras, falta de cooperação e auto-estimulação. O ABA também se tem revelado eficaz no ensino e no aperfeiçoamento de capacidades comuns que se encontram comprometidas, tais como a comunicação, a socialização, o brincar e a auto-ajuda.
Algumas crianças (principalmente com autismo) têm dificuldade em estabelecer e manter adequadamente a atenção, na interpretação e na utilização do feedback recebido de forma automática do contexto. O ABA, bem como as intervenções subsequentes, analisam estas interacções com o meio e as respectivas sequências de comportamento, procurando compreender as regras, as consequências e as expectativas que são normalmente compreendidas de forma automática. Desta forma, pretende-se desenvolver estas competências e comportamentos de modo a torná-los mais adaptativos, úteis e sustentáveis.
A intervenção comportamental ensina a criança, não só a conhecer as regras, como também a utilizar as suas competências de forma mais automática, modificando alguns comportamentos já existentes, adicionando novos comportamentos e extinguindo outros indesejados. Estas modificações são conseguidas através da aplicação de princípios bem estabelecidos e compreendidos, tal como o reforço, a modelagem, a ajuda, a extinção e a generalização.
Com esta tecnologia, os comportamentos alvo são divididos em pequenas componentes independentes e cada competência é ensinada sistematicamente, de uma forma individualizada e estruturada. Inicialmente, a intervenção é individual, recorre a ajudas e reforços específicos ("errorless learning") até a criança obter um nível de mestria predeterminado, que por sua vez, assegura a probabilidade de manutenção e generalização desta nova competência. O sucesso é baseado na constante modificação do programa, que acompanha o progresso real da criança e que, eventualmente, acrescenta processos de generalização que promovem a transferência das novas competências para outros contextos.
O sucesso de qualquer programa comportamental depende da clareza e funcionalidade dos objectivos; da escolha propositada e ponderada das estratégias de ensino e dos conteúdos a ensinar; da escolha adequada de reforços e dos respectivos calendários de reforço; da aplicação apropriada das ajudas e a sua respectiva extinção; da inclusão significativa da generalização e da aplicação consistente dos princípios comportamentais.
Intensidade da Intervenção e Outras Considerações
Enquanto a maioria da pesquisa sobre intervenções comportamentais intensivas tem-se realizado, quase exclusivamente, com crianças muito pequenas, a experiência tem demonstrado que crianças mais velhas e jovens podem beneficiar substancialmente de um formato de intervenção similar. São aplicadas modificações ao plano de intervenção de acordo com a idade e o nível de desenvolvimento do indivíduo, tendo em consideração a necessidade de adquirir competências funcionais e adaptativas; a eficácia e a adequação dos reforços; da severidade dos comportamentos disruptivos; e das expectativas e possibilidades do ambiente.
Os programas podem ser aplicados em todas as faixas etárias, numa variedade de contextos, incluindo em casa, na escola, no emprego, na formação, na comunidade, etc. A intervenção com crianças mais velhas requer um enfoque especial nas suas necessidades específicas, tal como o desenvolvimento de estratégias de coping (para lidar com a frustração), de auto-estima e interpessoais e sociais.
Ao determinar a intensidade da intervenção, a rotina diária da criança deve ser considerada, de modo a determinar um equilíbrio apropriado entre períodos de ensino intensivo e períodos menos intensivos (mas igualmente estruturados). Estudos revelam que muitas crianças têm bons resultados com 30 ou mais horas semanais de instrução directa (não ultrapassando as 40 horas). A duração das sessões de terapia deve ser ajustada de modo a oferecer o maior benefício. Quando a criança for inserida no contexto escolar, passando parte significativa do seu dia na escola, é recomendável reduzir as horas de terapia em casa.
O ensino através de Tentativas Discretas (DTT) é uma forma de ensino que permite maximizar a aprendizagem. Para além de ser extremamente estruturado, aumenta o ritmo de exposição, o que por sua vez, oferece mais oportunidades de treino e de reforço. Isto, no seu conjunto, aumenta a motivação para aprender e leva a resultados mais rapidamente. Pode ser adaptada e aplicada em todas as idades e populações. A técnica implica: 1) dividir a competência a ser ensinada em partes mais pequenas; 2) ensinar cada parte individualmente até ser aprendida; 3) permitir uma prática repetida durante um período concentrado de tempo; 4) providenciar ajudas numa fase inicial conforme necessário; 5) implementar procedimentos de reforço; e 6) registar toda a evolução.
Contexto de Ensino
Inicialmente o ensino é feito num meio que favorece o sucesso. Na maioria dos casos, isto implica um ambiente controlado com fontes de distracção reduzidas. No entanto, o ensino deve ser rapidamente estendido para contextos comuns do dia-a-dia, tornando-se mais natural e promovendo a transferência da aprendizagem para outros contextos. As crianças devem ser capazes de aprender numa variedade de ambientes, em que as distracções ocorrem naturalmente, preparando-as para a aprendizagem em contextos típicos e normalizados, como a escola.
O espaço de terapia: de forma a garantir as condições controladas e estruturadas necessárias numa fase inicial, idealmente, a terapia deve decorrer numa área reservada para o efeito na escola ou em casa. Esta divisão deve ter, uma mesa e 2 cadeiras, uma estrutura para guardar o material de forma organizada e mantê-lo acessível à terapeuta, mas inacessível à criança, reforços e alguns itens motivantes (brinquedos, jogos, etc.). As condições devem ser inteiramente manipuladas pelo terapeuta para combinarem com o programa e as necessidades da criança.
Treino no Meio Natural: conforme a criança vai adquirindo novas competências e aprendizagens, o contexto de ensino deve ser alargado para a toda a casa, escola, bairro, etc. Somente desta forma é que a criança terá a oportunidade de generalizar o seu conhecimento e a terapeuta terá a possibilidade de o pôr à prova em situações reais, em que condições menos favoráveis poderão existir.
O Processo de Terapia
Família: o envolvimento da família é crítico no processo de tratamento. Ninguém conhece melhor, nem se preocupa mais com o bem-estar da criança (ou do adolescente) do que os pais e são, igualmente, os mais afectados pela sua perturbação. Dado que os pais passam muito tempo com os filhos, encontram-se numa posição privilegiada para aproveitar os diversos momentos reais de ensino que surgem durante actividades diárias. Podem ainda, providenciar algumas sessões de aprendizagem estruturada. O banho, o jantar, o vestir e as refeições são apenas alguns exemplos de rotinas que oferecem diversas oportunidades de ensino. As visitas ao parque infantil, mercearia, correios ou a visita a casa de um familiar, são oportunidades de generalizar competências e de melhorar algumas competências. Deste modo, o dia inteiro é tempo útil de intervenção e os pais tornam-se agentes activos e parte integral da equipa.
No entanto, é importante perceber que a grande disponibilidade emocional necessária para enfrentar um quotidiano cheio de obstáculos é enorme, e a ligação emocional também tem o seu peso, consequentemente, o apoio de uma equipa especializada facilita toda esta dinâmica.
Características da Equipa: os programas com base no ABA são abordagens positivas e sistemáticas de ensino de competências funcionais e de redução de problemas de comportamento. A criatividade e a flexibilidade destes programas facilitam a exploração dos recursos disponíveis para cada criança.
Enquanto algumas técnicas de ensino têm-se revelado eficazes, de uma forma consistente, deve-se reconhecer o contributo individual de cada pessoa que trabalha com a criança. Dado que cada pessoa tem o seu próprio estilo e personalidade, contribuindo para o enriquecimento do processo educativo e terapêutico (generalização). Nas fases iniciais de tratamento, é importante que todos os membros da equipa respeitam consistentemente os mais pequenos detalhes do programa de ensino. À medida que a criança adquire competências, torna-se importante que deliberadamente se aumente a variabilidade de modo a facilitar a generalização a todas as pessoas e contextos do envolvimento natural da criança.
Supervisora: coordena todas as partes, é responsável pela coordenação entre todas pessoas envolvidas na intervenção (pais, professores e outros técnicos), da resolução de problemas, da manutenção do programa e da avaliação de todo o processo. É o principal laço entre todos os membros significativos da vida da criança, incluindo terapeutas, família e escola, e deve garantir uma constante rede de informação para assegurar o bom relacionamento e comunicação fluente de modo a beneficiar a intervenção.
A evolução do programa depende da recolha constante de dados apurados diariamente, de forma a poder acompanhar o desenvolvimento da criança. Baseado nos dados, altera-se o programa. Sensivelmente, de seis em seis meses, supervisora deve reavaliar a criança para se certificar que o progresso acompanha os objectivos do plano de intervenção.
O resto da equipa tem a maior responsabilidade de todas – aplicar o programa. Baseado num programa individual designado e nas estratégias específicas determinadas para lidar com o comportamento, as terapeutas devem garantir a consistência e eficácia e promover as condições ideais para a criança aprender.
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